segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Onde erramos?




Ok... mais um texto de política. Na banca de jornal. Os tempos estão difíceis... mui.

___________________


Foi um soco no estômago. Num desses papos de uátizapi ou feiçobuco recebi a primeira “opinião”, logo após a morte de Eduardo Campos, que ligava o governo federal e o partido do governo ao causo. Em linha simples, a intervenção fazia crer que não foi acidente, foi crime. Confesso que azedei. Porque, sinceramente, por mais que divergências políticas aqui e ali existam – e devam existir – um pensamento destes não sai do nada, não cria asas repentinamente. Transpira um ódio, um desejo mórbido de que a “luta” política seja mesmo uma refrega sem lei e ordem, uma terra inóspita, onde o adversário é uma espécime de anticristo, conjurado.  Demorou para cair a ficha... sim, uso a expressão demodê para me recordar de um outro tempo, muito mais ameno, mas onde as discussões e divergências tendiam a ser muito mais profundas, mas sem essa leviandade. O comentário, logo após o acidente, era isso mesmo: leviano.

Me assustei, porque noutro dia a tralha continuou. Sob o manto de que nenhuma das hipóteses pode ser afastada, voltou a maledicência de que podia ter ocorrido uma ação criminosa, pensada, planejada e que, obviamente, o único interessado nesta perversão seriam os petistas. Onde foi que erramos, para levar o debate político para este lodaçal sem fim, esse esgoto, esta lama de argumentação? Por que tanta raiva embutida numa disputa política? Mas antes que pudesse me solidarizar com os petistas, pronto: o lodo é pântano, mesmo. Porque muitos simplesmente começam a cantilena de defesa por simplesmente atacar o Aécio, sabe se lá por qual razão. E o importante tema das pistas de pouso passa a ser tratado como argumento de descarga, de latrina, como se uma cousa – o acidente aéreo – se vinculasse a outra.

O que mais me deixa perplexo, e este gosto acre de tudo, é que ninguém em nenhum dos dois lados acenda um cachimbo da paz, faça um gesto real de solidariedade, coloque as cousas nos eixos, freie a turba e os argumentos absolutamente ensandecidos. E que todos os graúdos simplesmente finjam ignorar que nós, os peixes pequeninos do lodo, estamos a barbarizar a lógica, o senso, a convivência possível, a inteligência, em nome da “disputa” política.

Não há ética, dirão alguns. Sei lá... não há é a leitura desta perigosa combustão que estamos a fomentar. Um caldo de intolerância, de preconceito, de irritabilidade, de pólvora inútil. E ontem, quando a emoção e o luto começavam a dar tratos a bola, trazendo um pouco esta bruxa, a razão, pronto: Vaiam a presidente, a chamam de culpada pela morte, clamam justiça. E o silêncio oportunista de quem observa o fato com olhos de pesquisa. E o contra-ataque, logo na sequência, naquelas rasteiras inimagináveis até para o mais troglodita dos beques de fazenda, começa a fazer uma crítica de “sommelier” de velório, passando uma descompostura na candidata Marina porque ela “sorriu”... 

E segue o argumento. Enquanto uma sorria, o ex presidente... chorava. E fazem a mistura abominável do transe com o desejo, e cobram a suposta alegria de uma em contraste com a tristeza de bem do outro. Num fora de propósito, num desconexo, num golpe baixo. O sorriso, evidentemente tinha um contexto - deixemos de lado esse purismo do sofrer, onde quem vela tem a obrigação moral do choro.  E a tristeza do ex  presidente foi real, sim, legítima: Perdeu alguém com quem convivia, com quem trocava ideias, com quem frequentava casas.

Ora, ora, ora... basta deste jogo hipócrita de querer transformar gentes em santidades ou demônios. Nem ela, Marina. Nem ele, Lula. Nem Dilma. Nem ninguém.

Aliás, a foto em que o presidente Lula tem nos braços o filho mais novo de Campos, ao lado de Renata Campos, a viúva, tem ao fundo José Serra. Sim, Serra, o adversário predileto dos petistas. E a foto transpira a consternação real dos dois políticos. Mostra que existem situações em que a disputa política fica num segundo plano. Evidencia que existem ali seres humanos, que erram, que choram, que acertam, que planejam, que fazem conspirações, que dão sorrisos, que andam, que bebem e, notem só, que espanto, respiram. A foto revela, sim, que pode existir uma ética, respeito e menos chutes no pescoço.

No fundo, eu é que estou anacrônico mesmo. Devo acreditar numa leveza que não cabe mais nestes tempos instantâneos, nessas redes sociais. Afinal, não há interlocutores, que podem ter suas opiniões, sua história, suas ideias, seus afetos. O que há é a necessidade da minha opinião ser gritada mais alto e alto, amplificada em likes múltiplos. Convenço pelo grito, este maldito, quando fora da canção.

É... num tem mais canção.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Sem mais silêncios...

A escalada do absurdo no Rio de Janeiro, e em SP - Hideki e Rafael continuam presos -, precisa de uma intervenção direta do governo federal e das instituições do judiciário, dos órgãos de classe e de representação.

Há um entendimento disseminado entre muita gente de que os protestos de junho e os protestos contra a copa perderam a mão. Se perderam e na violência encontraram o inevitável desacordo que esvazia multidões, pelo medo e pelo distanciamento.

Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, bem diferente. Ao dar de ombros para a violência de estado, em primeiro das forças policiais e agora das estruturas do poder judiciário, boa parte dessa gente que ficou ressentida, magoada, perplexa ou apenas discordou do rumo que uma parte das manifestações e dos ativistas tomou, estamos criando um cenário muito ruim, de autoritarismo como única resposta possível a qualquer tipo de dissenso.

Cobro do governo federal uma postura mais firme e incisiva porque a questão é, antes de tudo, política. Foi não condenar a violência do estado um dos motivos para que este descalabro acontecesse. Porque a mentalidade policialesca é binária - ora, se precisam da gente para segurar a turba não podem condenar nossos métodos. Não é assim, não pode ser assim.

Cobro do governo federal porque foi este governo, na verdade começou com o antecessor, do mesmo partido e com as mesmas orientações políticas gerais, que mandou o exército "garantir" a paz em Belo Monte e Jirau. Foi este governo que optou por demonstrações de força ao invés do diálogo. Sim, é verdade, o diálogo cansa, faz as obras patinarem, rompe cronogramas. Mas a história colocava os petistas num outro front, que não o da criminalização de lutas e reivindicações. Os presos em Belo Monte são o primeiro sinal de que algo desandaria. Desandou, desandou bem.

Cobro do governo federal porque o Ministro de Estado da Justiça tem um histórico importante de militante político pelos direitos humanos e na defesa de procedimentos com base nos princípios da ampla defesa e do devido processo legal, que não podem ser encarados por nenhum jurista, advogado, estudante, estagiário, juiz ou promotor como mera filigrana, como entrave ao desenvolvimento, como obstáculo. O silêncio de José Eduardo, até porque eu militei com ele em SP, é assustadoramente conveniente e covarde e me decepciona, muito, mais uma vez.

Cobro do governo federal porque não enxergo nem em Alckmin em SP, nem em Cabral e seu sucessor no Rio nenhuma capacidade de interlocução e ação diferentes. Esses governos fomentam o estado policialesco e são cúmplices desta perversão. Ademais, a fraqueza, a tibieza e a postura nariz empinada do PSDB de SP deixou que estruturas paralelas de poder se redrudescerem: a polícia e o crime organizado, simbolizado paradigmaticamente no PCC, essencialmente, são dois estados paralelos.

As instituições como a OAB - que já se manifestou, mas muito timidamente - o Conselho do Ministério Público, o CNJ também devem se posicionar. Sim, algum tipo de movimentação do governo federal fortaleceria este tipo de iniciativa. É necessário.

Não se pode silenciar porque o pleito eleitoral está logo ali, batendo na porta. Esta mesquinharia eleitoral com efeito deletério pode até lograr êxito na urna, no votinho. Mas nos inviabiliza como sociedade. Como no poema de Brecht, pode ser tarde o dia em que tivermos que gritar:

"Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”

É isso. Não é a copa. Nunca foi.

domingo, 25 de maio de 2014

Vai ter copa, mas já não teve.




Minha paixão por copa do mundo data de antes de Raí. Bem antes. Minha primeira memória afetiva de copa é na Vila Matilde, rádio de pilha da cozinha da vó, tios Sergio e Celso e um gol do Dinamite. Hoje sei que o gol foi contra a Áustria e classificou o time de Coutinho na bacia das almas para a segunda fase do torneio argentino. Na época devia entender bulhufas.

Lembro também do povo na casa da vó Teresa torcendo contra a Argentina na final, porque por lá uma tal ditadura comia solta e a Holanda era um time legal. Por mim, não. Gostava do nome "Kempes" e de "Ardiles", que me lembrava ardido. Torci pela Argentina. Soubesse do mundo, talvez não.

Mas o encanto, mesmo, arrebatador, foi em 1982. Na verdade, o mundial da Espanha é o único que existiu. Tudo depois foi mero simulacro, invenção. Valdir, Leandro, Oscar, Luisinho e Junior, Falcão, Sócrates, Cerezo e Zico, Éder e Chulapa. E Paulo Sérgio, Edivaldo, Juninho, Edinho e Pedrinho, Batista, Renato Pé Murcho, Paulo Isidoro, Dirceuzinho, Dinamite. E Carlos, terceiro goleiro. E Telê. E Careca cortado, machucado. Daquela copa guardo memórias infindas, cheiros, gostos, choro. Muito choro. Zoff até hoje é carrasco. Aquela bola do Oscar tinha que entrar, tinha, tinha... Paolo Rossi... nem me fale.

Mas é a copa do goleiro Arzur de Honduras. Do jogo do Kuwait que o sheique tirou o time de campo. Da partida que nunc acabou, França e Alemanha. De Tresor. Dos Camarões de Roger Milla e Nkono. De Dasaev. Enfim, tudo como se fosse ontem mesmo. Até aquele maldito apito final no Sarriá.

Gosto de Copa. Mais, muito mais, do que gosto dos times do Brasil. Destes, confesso, meu último foi o de 90. E em 2002 tive alguma simpatia. E em 2006 um único flash, quando Rogério foi para o gol no jogo contra o Japão. Mas de copa... ah... de copa eu gosto. Gosto de pensar os jogos, de narrá-los antes e depois. De fazer jornadas esportivas em rádios imaginários onde eu sou comentarista e narrador. Gosto do riscado todo. De saber dos times, dos países, dos craques. Das torcidas, roupas, coloridos, holandesas, suecas, dinamarquesas, camaronesas.

E por isso vivo contradições com a copa aqui no Brasil. Desde o começo achei que esse lamentável gesto político do governo Lula, de se atracar na alcova dos negócios com a cartolagem de Teixeira e Nuzman, e todo o couvert que vinha junto, um enorme, retumbante, estrondoso equívoco. E mais: um gesto abjeto para agradar financiadores de campanha e gente que suga o mundo. Porque aquele sonho de moleque, a copa aqui no quintal, foi transformado numa imensa festa de gosto duvidoso, de gente de smoking e summer, caras fétidas e cifras astronômicas. No fundo, bem no fundo, o lulismo foi isso: um triturador de sonhos e de boas ideias em nome das conciliações "do possível". Para continuar a festa do andar de cima, um pacto de classes onde pé e bunda permaneçam no mesmo local de sempre.

A organização da copa foi um triste espetáculo de farras e orgias com grana e miserê. Em nome da tal copa gente foi removida, obras de arte foram erguidas, orçamentos se multiplicaram. Na ambição inicial era a Copa o momento de afirmação dos anos dourados do Brasil de Lula, a confirmação do brasileiros que não desistem nunca, a glória da nação forjada a conquistar seu lugar no panteão do G8, G9, G10. Mas para tanto era necessário, imprescindível até, que se enfrentasse determinadas questões chave de nosso desenho social. As empreiteiras teriam que seguir um cronograma rígido, para que obras e estádios fossem entregues em bom tempo e bom estado. Para isso era imperioso exercer o poder de fiscalização e de gestão, penalizando empresas, cobrando projetos, exigindo compromissos. E aí a singela esperança de que isso ocorreria independentemente de confronto gerou este estado catatônico, que mescla atrasos, incompreensões, dados fora de foco e da realidade do país. Gente removida por nada, por obras que nem prontas estarão. Erros de planejamento. Benesses para os de sempre e, pior, sem nenhuma exigência. As empreiteiras sorriem. Mas os empresários, patrocinadores, a tal da FIFA sorriem bonito, fartos, comendo com opulência pratos de caviar e fígado - de ganso e os nossos.

Era a hora de ter exigido que a seleção brasileira jogasse aqui. O futebol define o país, é um dos elementos mais bonitos que forjam nosso país. A identificação com a seleção seria vital para que este processo de construção de estima, de elevá-la, fosse concretizado. Não é errado dizer que aqui, um país novo, com uma história oficial que infelizmente ignora o período anterior à dominação e exploração colonial, o futebol é um elemento chave da cultura. Nossos heróis são Leônidas, Mané, Didi. Mas para essa gente que pensa em cifras e babados isso pouco importa. E lá vai a "canarinho" jogar no "Emirates Stadium", nos Estados Unidos, na Suécia, na sei lá onde, um circo exaltação para gringo ver. Aqui, só pela televisão. E ainda por cima só numa televisão, porque não se pensou, ao menos durante a organização do mundial, nos jogos e amistosos do Brasil serem transmitidos por emissoras públicas, sem monopólios. Afinal, para quê comprar essa briga?

A copa foi um erro miserável. Um golpe de punhal nas costas. Uma traição. O mal estar que a copa vai causar, e já causou, destroça esperanças e expectativas daquele Brasil que o lulismo fazia crer ter chegado a hora. Não sei se os slogans de "não vai ter copa" estão errados ou certos, porque não dialogam com a alternativas outras que não o da não realização, mas sei que o mal estar, o incômodo, o gosto acre, estão aí. Nem bolões, nem decorações bonitas e coloridas, nem pagodes estamos a fazer com entusiasmo. É tudo um borocoxô de banzo, saudade de algo que não tivemos.

Vai ter copa, sim. E provavelmente vai ser legal. Não pelo Brasil seleção nem pela organização. Mas porque os jogos de copa são assim, pequenas histórias, epopeias, jornadas. Quem viu Uruguai e Gana na última copa sabe disso, com aquelas belezas que emocionam. E nunca, nunquinha, a questão central é torcer ou não pelo time Brasil ou da CBF. Isso é bobagem. A seleção emociona a quem quiser se emocionar. Se jogar bem, então, onde bem e bonito são sinônimos, aumentam as chances de adesão.

A questão, infelizmente, é outra. E me parece que Ronaldo, o fenômeno, dá todas as cartas e pistas. Numa daquelas demonstrações colossais de maucaratismo com oportunismo, ele, organizador da copa no país, sai a atirar no governo federal pelos erros e atrasos em obras, olhando com tesão para um dos candidatos da oposição. O governo federal que escolheu Ronaldo como interlocutor do governo na organização da copa fica a se defender, torcendo para que o lance do craque não dê carta na manga alheia. E a empreiteira, feliz, sorri, na transmissão exclusiva da rede de televisão da novela das oito - que passa a dez da noite... - com a cerveja multinacionalesca paga no cartão de crédito do bancão que mais cresceu no mundo. A FIFA divulga balanço: nunca dantes na história das copas faturou tanto.

Vai ter copa. Mas já não teve.... não teve.


terça-feira, 8 de abril de 2014

Não cabem relativizações de nenhuma espécie - Nona Blogagem Coletiva DesarquivandoBR



Este texto faz parte da Nona Blogagem Coletiva DesarquivandoBR. 

Lembrar do golpe é tarefa que não devemos esquecer. Pelas repercussões que o período de exceção tem nos dias de hoje, numa sociedade que se acostumou com a violência de estado, conivente com a tortura, com o tratamento cruel, com a barbárie, com a ocultação de cadáveres. Um estado policial que se alimenta da impunidade que a sociedade brasileira deu aos torturadores, violadores, assassinos da ditadura militar.

Uma sociedade que finge que não houve cúmplices, financiadores, aliciadores. Porque uma parte destes faz parte da "nata" da sociedade brasileira.

Foi um texto escrito muito pelo fígado, enojado com editoriais dos nossos jornais piratiningas que tentam relativizar esta cumplicidade cínica com o golpe, com o sadismo, com a violência de estado. E saiu logo depois de ler um texto de opinião de um dos herdeiros dos Mesquitas no Estadão. Deu náusea.

Sim, vamos gritar: Nunca Mais. Vamos garantir a abertura de todos os arquivos ainda escondidos. Vamos lutar para rever a Lei da Anistia, para punir tortura, ocultação de cadáver, elaboração de laudos médicos falsos e denunciar os que financiaram a repressão.

Não esquecer.

O texto foi publicado originalmente no feiçobuco.

____________________________________



Ainda sobre o intragável texto do herdeiro dos Mesquita hoje no Estadão...

Mas será mesmo que este conto da carochinha de que vivíamos a iminência de uma tomada de poder pelos comunistas, violenta, vinga nas sinapses de alguém minimamente razoável na arte de ler e interpretar?

A ditadura brasileira, a suja, não foi uma reação à "forças soviéticas cubanas" prontas para tomarem de assalto qualquer palácio. Quem repete este discurso, mente. Simples assim.
Jango estava realizando um esforço para ganhar adeptos para um programa de governo, chamado reformas de base. Dentro da regra do jogo. Fosse maioria, faria as tais reformas. Seria seu candidato mais forte na sucessão presidencial que se avizinhava. Não tinham tanques, nem fuzis, nem quarteladas a defender esses ideais. Existiam ideias. Polêmicas? Talvez. Mas não existia um plano para tomar a força o poder. Tanto não tinha que não houve reação armada ao golpe.

Uma parte do grande empresariado e dos donos de terra não suportariam perder poder e parte no latifúndio. E criaram esta fantasia para justificar o golpe e o apoio a ruptura da ordem constitucional. Simples assim.

Como também é simples entender como sofismas quem defende o golpe retrucar com Cubas e Venezuelas. Como se boa parte da própria esquerda não fosse crítica aos stalinismos da vida, reconhecendo erros, imperfeições e violências e morrendo por causa desta crítica. Sim, senhores, senhoras, é a esquerda que faz a crítica mais contundente aos erros históricos cometidos - basta querer e saber ler ou participar de algum debate interno nos partidos políticos que se reivindicam de esquerda. A diferença é quem analisa Cuba sem analisar o embargo, analisa a Venezuela sem olhar que o que a oposição chavista quer, hoje, é golpe, é romper com a ordem constitucional, é apear do poder quem foi eleito numa eleição dentro das regras do jogo. É engraçado que no debate político uma parte desses arautos da liberdade tem um rosário de argumentos que nunca resvalam no fato concreto de que os Estados Unidos violam diuturnamente direitos humanos, tem presos políticos, tem um sistema eleitoral absolutamente inconfiável, a Flórida de Bush que não nos desdiz. Eles querem discutir Cuba mas se recusam a discutir Guantanamo, ou a manutenção de presos e presas de movimentos sociais como o Occupy ou dos Panteras Negras. Sem contar que existe nos meios de comunicação uma visão pra lá de hegemônica que dá guarida, alimenta e reproduz esses arautos. Neste contexto, desculpem, defendemos o raso até por precaução. Não seria lindo bradarmos que deveríamos romper relações diplomáticas com todos os violadores de direitos humanos, da China, dos Estados Unidos, de Cuba?

Sim, havendo regime totalitário e de exceção haverá resistência armada. Podemos discordar do método até certo limite, mas não se pode ignorar a legitimidade da resistência. Li que a esquerda matou soldados... Todos reconhecidos, que tiveram direito a enterro, ao luto de seus familiares e a reparação do estado pelos mecanismos legais.

A tortura não está relacionada a combate algum - é sadismo, crime e covardia. A ocultação de cadáver não tem a ver com combate algum. É sadismo, crime e covardia.

O pior destes relativismos é o que eles escondem de desejos para o porvir. Porque me parecem sempre manifestos da casa grande, avisos cifrados, e nem tão cifrados assim, que existem limites que a patuleia não deve ultrapassar.

Por isso eu tenho asco desta relativização.

2014. abril.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Pode ser que as insônias latam...


Sempre que volto de um feriado longo assim, desses que a gente some de nós mesmos, voltar é sempre impreciso. Porque muita coisa ali, durante a folga, o hiato, o intervalo, o recreio, faz muito mais sentido do que o habitual, o corriqueiro, o demasiado, o buscar, o ter... o ser: verbo e sustantivo.


Ainda que tenhamos a improvável certeza de que precisamos destes cotidianos para obtermos algumas horas de distância, de entorpecer, de lua, de fazer nada, nada é mais desgastante do que se perceber atado a uma roda. E que em parte do círculo se está infeliz, desgastado, subtraído.


Ok... são as digressões de sempre, nada de novo. Só a antiga comiseração. Não me comovo mais com isso e creio, até, que já vesti a fantasia para o resto do ano. Pagando no cartão de crédito, obviamente. Parece que o menino que cresceu ainda está fora de lugar e podemos ter aí mais dois, do imaturo ao resignado. Quem dirá que sim ou que não...


Nunca tive cachorro. Mas deve ser bom alguém a te entender e só. E alguém que nem é você: nem seu terapeuta, nem psiquiatra, nem pai nem mãe, nem pai nem mão de santo, nem padre, nem pastor ou professor ou síndico, chefe e patrão. Só querer em troca um cafuné em troca desta doce sabedoria.


As vezes é difícil dormir. Porque é complicado acordar. Somos sempre alguns. Principalmente, a noite. Todos lá: ansiedades, vontades, desejos, cansaços, irritações, dúvidas, incertezas, medos, acertos, desacertos, desatinos, coração, olhos abertos, olhos fechados, relógio, despertador, que droga ter que acordar cedo, que eu vou fazer, como resolver, “pai, tô com sede”, olho aberto de novo, ruído, bocejo, suor. As madrugadas assim: duas e vinte. três e sete. quatro e quinze.


De longe, mas já no sonho, e mais perto, um latido insistente. E mais. Há eco. Repetição. E talvez uma daquelas conclusões que só podemos ter ao sermos acordados repentinamente, por alguma razão: “Nas madrugadas, todo latido encerra alguma crueldade.”

2014. março, 08.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Croniquetas derretidas




Então... 

O calor em SP neste verão de 2014 é o calor mais abundante desde sempre. 

Escrevi uns #microcontos com o calor como tema ou pano - ou sem pano - e fundo.

Publico aqui na quitanda, depois de tê-los publicados no tuíter. 

Pequenos pães.

Espero que gostem. 

_______________________________

 
Nada mais podia dar errado... Aí descobriu que além da insônia e do calor tinha também um casal de pernilongos fazendo amor.
13. janeiro, 07.


Um calor de rachar mamona, começaram a se bulir... e roupa que cai aqui, roupa cai ali : "Bom, mas o gorrinho você trouxe, né?"
12. fevereiro, 29.


"Amor, nesse calor não te dá vontade de um picolé?" E ela, na lata, com muito esmero: "Não só no calor, bonitão."
12. fevereiro, 29.


Os dois no maior amasso ziriguidum: Mão no pandeiro, calor no tamborim e muita alegria no samba-canção.
12. janeiro,26.


"Tá muito frio, posso ficar de roupa?" Ele pensou bem e topou: "Pensando bem, passar vergonha no calor é mais que suficiente."
11. julho, 02


"Que frio..." E ele aprochegou e fez dengo, cafuné e outro. "Que.. calor..." E ele aprochegou e fez um dengo, cafuné e outro... #microconto
11. maio, 31.


Um calor de forno de padaria. Mas não tirava o cachecol, de jeito algum. A namorada achava que era chupão. Ele, tinha certeza.  
11. fevereiro, 10.


Gostava de dormir nua. O namorado novo achava aquilo o máximo. Belo dia também arrancou a roupa. "Não encosta: eu tenho calor!"
10. dezembro, 17.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"Paiê... sabe de uma coisa... eu acho que..............."



Era quase meia noite. Um sono lascado, naquele coça coça os olhos. Uma luta, enfim, para se manter acordado. Tá certo, era Kevin Arnold e Winie Cooper na telinha e era visível a empolgação com a descoberta da série “Anos Incríveis”, mas tinha alguma luta a mais ali. Era para não dormir.

“Filho, cê tá com fome? Quer comer uma coisa antes de ir dormir?”

Disse que não. O irmão também fez cara de não quero.

“Pai, é que eu estou esperando alguma coisa fantástica!”

Fiquei martelando a frase. Seria sobre a série, sobre o mundo, sobre experiências quaisquer?

“Tipo um homem aparecer com um grande saco de pum integaláctico.” E riu, evidentemente.

De repente, berrou:

“Já é 27!!!!”.

Sim, já era vinte e sete.

“Oooopa.... seu aniversário!”

E o Grande, então, pode começar a comemorar o seu décimo aniversário. Uma década! Pulei nele, abracei, disse amores todos. Ele sorria. O irmão, fingindo indiferença, ficou no meio do abraço. E disse: “parabéns.”

A casa toda, meia noite. Já era 27.

Talvez um dia, moleque, você resolva ler as cousas que seu pai escreve. E escreve muito sobre você, sobre teu irmão. E vai parar neste texto aqui, escrito no dia do seu décimo aniversário. E saiba, filhão, que é muito bom, muito bonito, muito linda nossa história. Afeto, de uma maneira que descrever com letrinhas talvez não seja possível. Afinal, abraço também foi inventado para isso.

Lembro da semana que teu irmão nasceu, Marco. Acho que foi o segundo ou terceiro dia de hospital. O Leonel teve lá uns probleminhas com açúcar e ficou no berçário, naquela ala de cuidados intensivos. Um homenzarrão no meio daqueles bebês prematuros. Mas eram cuidados necessários. Enfim, estávamos acabrunhados e um tanto preocupados, eu e sua mãe. O fato é que lá pelas tantas da noite eu e você fomos jantar, perto do hospital. Lá no Almanara do Shopping Paulista. Eu e você. Nos sentamos ali numa mesa, de canto. Você tinha quase dois anos. Mas falava como matraca. Tinha repertório, verbos, substantivos. E a gente conversou, conversou, conversou. Não paramos de falar. O assunto, mentiria se dissesse que me lembro qual foi - mas saiba que desde cedo você gostava de maravilhas, de contar e imaginar cousas fantásticas, seres diferentes e que provalmente fizemos digressões sobre a vida... Foi quando uma senhora, na mesa ao lado, que espiava tudo sem que eu pudesse me dar conta, me chamou e soltou a frase: “Puxa... que lindo isso, vocês dois conversando assim. Parabéns.”.

Então, molecão, é isso. A gente, depois de um tempo, acaba se acostumando com o mundo. E isso nem é bom, nem ruim, é médio. Meridiano. Comum. Acaba aceitando coisas, acaba se resignando, acaba falando palavras difíceis para dizer que nos acomodamos. E aí a gente descobre que não. Que tem alguém disposto a nos ouvir, a conversar, a entender e, porque não, a não aceitar. Seu pai não é o mesmo aos trinta e uns do que é aos quarenta e uns. E você e seu irmão descobriram alguém que ainda é capaz de repensar, reformular, ressonhar – e os olhinhos de vocês e esse conversê maluco da gente são instrumentos essencias disso tudo.

Você, meu Grande, meus olhos de jaboticaba, é o menino que, depois do banho, numa quase noite na casa do papai – a gente, eu e a mamãe já estávamos em casas diferentes – soltou uma das frases mais bonitas de todos os tempos, incluíndo os imemoriais:

Acho que é isso, Tó. Um grande carrossel, girando. A única cousa que acrescento: Vocês fazem este carrossel girar, mas nunca um fiozinho volta ao mesmo lugar. E isso é magia, mágico e daria para entrar em Hogwarts, fácil fácil.

Parabéns, neguinho.

27.01.2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

Sobre fuscas e o aniversário da cidade

 

Ontem foi aniversário da cidade. E a cidade, estranhamente, estava bonita. Não pelo sol: inclemente, clamando protetor. Mas pelo conjunto de gentes andando, caminhando, metropolitando, onibusando, bicicletando.

No Memorial da América Latina, ali na Barra Funda, sambistas da "Camisa Verde" faziam uma espécie de ensaio para porta bandeira e mestre sala, além das baianas. Foi legar ouvir o "É noite, agora... chora viola...São Paulo tem convite para dar... Verde e Branco é um encanto...o show vai começar....", samba de alguma década final do século passado e que deu título à escola.

Uma pena o estado de abandono do Memorial. O Governo do Estado de São Paulo é assim mesmo, deixa fluir, até que um dia um imbecil venha dizer que é melhor privatizar. A placa da estátua da "mão" do Niemayer, a que parece a América Latina, o sangue, uma obra bonita, tá lá... pedindo uma manutenção... clamando atenção... quase chorando. Mas não tem porque fazer isso, né...

Depois, o Metropolitano. A estação Barra Funda. É bom passear de metrô. Os meninos gostam, sinceramente. Eu gosto. Mas alguém precisa explicar para quem cuida do metropolitano, ou deveria cuidar e planejar, que metrô pode ser, sim, transporte para os dias de lazer! Sim, com intervalos não tão demorados, quem sabe, quem sabe, as pessoas não deixam um pouco o mau humor de lado. Quem sabe?! Mas essa gente que cuida do metropolitano deve estar mais interessada em outras coisas... quem sabe no preço das reformas, quem sabe na troca dos guichês de pagamento, quem sabe no lucro da companhia, quem sabe sei lá.

O centro? Ontem estava estupefactamente bonito e ocupado. Do samba na Praça Roosevelt, do "Jazz nos Fundos" na sua versão B, ali perto na General Jardim, com uma programação que incluia diversão para crianças. Do almoço no "Boi na Brasa", esta instituição do centrão do lado da República, uma relíquia, um oásis, uma porção de batata portuguesa e um chope numa caneca de metal que faz salivar só de lembrar.

E o show na Praça da República, com o som meio capenga é verdade, do Paulinho da Viola. Paulinho da Viola, fôssemos sérios, seria um país inteiro, seria feriado em qualquer cidade que ele passasse, seria noite e seriam horas e horas e horas.

A praça Dom José Gaspar, ali atrás da Mário de Andrade, linda. Cheia. O "Paribar", o "Cachaçaria do Rancho" e um samba prá lá de honesto na marquise da Galeria Metópole. Tudo a conspirar: Estamos retomando nossa cidade. Há um encantamento com esta moça antiga, nossa cidade, que se perdeu em algum lugar - provavelmente para erguerem algum prédio de cinco quartos, com sua varanda gourmet e academia.

E gente. Que é o que importa.

O Copan? Bom, o Copan, um clássico como o filé do Moraes, um patrimônio como o canole da Rua Javari, um Masp, um Parque Trianon, uma estação Júlio Prestes. Havia uma festa - ou balada como dizem os meninos - ou boate como diria o pai - naquele estacionamento entre a Ipiranga e aquela rua que vai virar Rua Araújo. Era uma balada tecno, com gente dançando esquisito (segundo a versão do Grande). Sem contar o muro, todo pintado e bordado de diversidades.

Saindo dali, quem sabe, voltar para as Perdizes pelo Minhocão?

E aí, cheiro de fumaça. Um cheiro forte. E aí, sirenes, viaturas, caras feias. Na esquina da Ipiranga com a Consolação dava pra ver. Havia fogo. Lixo queimando.

Confesso, não sei o que houve de fato. Li hoje pelos jornais que uma manifestação de mil e quinhentas pessoas desandou. Que quebraram agências bancárias e que foi um fundunço para evitar que a manifestação chegasse até a República onde havia show. Eu estava ali, no meio, provavelmente, entre os furdunços. Eu, minha companheira e meus dois filhos. Não vimos, entretanto, este meio.

Vimos sim o colchão pegando fogo, de longe. E carros tentando passar pela barragem inflamada. E sim, um dos carros pegou fogo ao passar pela barrragem. Sim, provavelmente por medo do condutor - medo justificado, diga-se - mas ninguém ateando fogo dentro do carro. E sim, uma cena ruim de ver. Poderia ser mais grave.

Mas o que vimos foi a polícia. E aí, sinto, lamento, desculpem-me. A polícia tinha sede. Ao passsarem por nós, que estávamos distantes da confusão, com crianças, quase nos cercando, havia a disposição para o combate. A tropa. Os carros na contra-mão. Não havia ninguém a orientar. Sim, uma situação de estresse, sem dúvida. Mas para que servem, afinal, as autoridades de segurança?

Ninguém acha que a polícia deve atuar com canhão de flores ou chegar na multidão propondo um psicodrama - o que seria lindo. Sabemos, até os postes, os paralelepípedos - que infelizmente estão em extinção - e as coitadas das lixeiras sempre sacaneadas, que uma situação como esta, de embate, tende a desandar para conflito, briga, tapa, chute, pontapé.

Mas aí que está a cousa toda. De um lado temos o Estado. Com seus agentes. Que supostamente treinados. Armados. Capacitados. Mas não... não são. Sem treino, subiam desordenadamente a Consolação na contramão. Não orientavam. Tacapes na mão, prontos para o confronto - o medo de quem ganha pouco e de quem definitivamente não recebeu orientações para este tipo de conflito. O inimigo do outro lado. E só isso: o inimigo. Eu era um inimigo. Estava ali. Bem ali.

Ouvimos barulhos de bomba, provavelmente na Augusta. Ficamos ali na igreja da Consolação. Vimos as viaturas. A tropa subindo. Não vimos manifestantes. E por isso este relato pode ser entendido como parcial. Mas não é esta a questão que enfrento, a de quem tem razão ou não. É a forma que o estado escolheu para agir.

Pelo jornal li que eram dois mil policiais. Dois mil. Mais que o número de manifestantes. Não sei, mas algo nesta equação não fecha...

Depois de uns vinte minutos, subimos a Consolação para pegarmos o Minhocão, que estava fechado para carros. Vimos o rescaldo do carro queimado, um fusca. Sou da opinião que os fuscas merecem o céu e que quem faz mal a um fusquinha tem pouca chance de perdão, pouquíssima, quase nenhuma. Entristeci-me. Mas já não tinha mais viatura, nem manifestante. Só bombeiro - talvez a única instituição que sobre nessas horas.

Encaramos os três quilômetros do elevado, da Consolação até o "Ponto Chic" do Largo Padre Péricles. No começo, ainda, um pouco apreensivos, porque a iluminação do monstrengo anda tatibitati também. Mas depois viramos super heróis de novo. E mais gente encontramos. E bicicletas. E gente. E cachorros passeando. O horizonte dali, naquele trecho por cima da Pacaembú, é bonito. Estranhamente bonito. Assim como esta cidade maluca.
 
25.01.2014

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Dizem imperfeições... mal sabem.


 
Outra, dos "Amores Pardieiros".


___________________


Notei que gosto.

Gosto da dobra, do riso, do vexame. Do pé, inchado do calor. Ou sujo, do chão descalço.

Do buço, sim, do bigode molhado com suores quando tá calor, ou depois do sexo, ou de espanto.

Dos olhos levemente estrábicos. Assim como os bicos dos peitos, sempre perseguindo algo, como a querer descobrir novos caminhos.

Gosto dos pelos nas pernas, nas axilas, no sexo. Nada me desgosta, do rebolado quando cansada, do deitar de cansado, da roupa amassada depois de um dia daqueles. Mas gosto mais sem roupas, sempre. Ainda mais nesse calor desumano.

Das falhas nas unhas, também quando me arranham. Do cabelo despenteado, da coxa suada. Da sede, ou melhor... da volúpia da sede.

Vestido, vestidinho. Mesmo sabendo que é um maldito shortinho – para proteger coxa e tudo - e não aquela calcinha puída, cor de pele. Gostos dos peitos saltando no fim do dia querendo burlar a regra do sutiã. Mas gosto, estranhamente, das alças.

Ah... gosto de beijo com doce. De mordida na nuca. De ver arrepio. De ver, note, de ver. Ouriçada: pelos, vulva, poros, olhos, nariz.

Bom... melhor parar por aqui. Do contrário a conversa descamba. Adoro quando descamba.